Portals (2019), Guadalupe Maravilla

Portals (2019), Guadalupe Maravilla

O corpo carrega traumas. Relações e experiências vividas em nossa infância se manifestam de formas diferentes em nossa vida adulta. Talvez seja uma timidez exagerada, ou um movimento repetitivo com as mãos quando se está em uma situação tensa. Expressamos física e psicologicamente nossas histórias anteriores. E como um corpo imigrante apresenta seus traumas? Um corpo que passou por situações de perigo e incertezas. Um corpo que passou por desertos sem saber seu destino, se chegaria ao outro país e como seria sua vida a partir desse ponto, sem seus referenciais familiares e de linguagem. Como uma criança lidaria com a situação da imigração ilegal em sua vida adulta?

O artista Guadalupe Maravilla atravessou a fronteira ilegalmente aos oito anos de idade. Saiu de El Salvador e, sem sua família, enfrentou todos os riscos de ser guiado por um coiote até a fronteira norte-americana. O trauma da separação, de momentos de dúvida se manifestaram em seu corpo. Anos mais tarde, já adulto, o artista desenvolveu um câncer que se iniciou em seu intestino. Para Maravilla a doença é uma manifestação de todos os traumas de sua vida, principalmente do início de sua vida.

Suas obras dialogam com sua espiritualidade e experiências enquanto imigrante. Seu trabalho reflete os momentos que passa, não existe uma separação entre vida e arte, é a partir do que conhece que Maravilla cria seus trabalhos. Assim, sua doença – e sua batalha pela cura – também integra suas pesquisas artísticas. Entender o câncer e as possibilidades de cura espiritual se tornam instalações para o artista.

Na instalação realizada no Instituto de Arte Contemporânea (ICA) de Miami intitulada Portals, vemos todos os elementos citados acima sobre a vida do artista: sua condição migratória, sua doença e uma mitologia criada a partir da espiritualidade presente em seu país natal. Maravilla cria obras instalativas com elementos encontrados em cidades pelas quais passou em sua rota para chegar aos Estados Unidos. Ele reconta sua história a partir de achados nesses espaços, achados abandonados mas que carregam suas próprias histórias. Cada escultura também carrega uma parte anatômica do corpo humano, partes que foram atingidas por seu câncer. A doença faz parte da trajetória. Ao incluir pedaços do corpo nas obras junto com os objetos encontrados, mostra como o corpo conta a história vivida a partir de marcas. Essas aparecem em partes específicas, se desenvolvem e nos invadem. Decidem recontar nossa história, nossos traumas a partir do interior, de dentro para fora. Assim, a doença também é a narrativa da dificuldade de imigração, ao se instalar em partes diferentes do corpo, vai criando um caminho, uma rota de fuga, conforme os remédios e medicações agem para destruí-la. As obras são a história de luta de Maravilla, o elemento espiritual está presente, assim como esteve em sua infância e vida adulta, inclusive quando buscava a cura e encontrou a terapia vibracional. O artista convida a todes a questionar, ao compartilhar através da instalação a sua história, sobre o tratamento dado aos imigrantes ilegais, especialmente as crianças, nos últimos anos.

Para saber mais sobre o artista, acesse: www.guadalupemaravilla.com

Colírio por Julia Baker



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