The Liberation of Lady J and U.B. (1998) – Renée Cox

The Liberation of Lady J and U.B. (1998) – Renée Cox

Quem são Tia Jemima e Tio Ben? Não tão populares no Brasil, esses personagens permeiam as vidas dos norte-americanos por décadas. Presentes em canções e propagandas, representa a estereotipização do povo negro em caricaturas rasas e unidimensionais, fáceis de serem compreendidas e lidas. Estavam presentes em prateleiras no supermercado assim como nos comerciais vendendo panquecas e arroz. Porém esses dois personagens de marcas de comida também podem ser encontrados em filmes e séries.

Durante a época da escravidão dois tipos parecem ter sido inventados a respeito da mulher negra: a sensual/supersexualizada e a ama de leite/assexualizada. Tais perfis ainda reverberam em representações contemporâneas preconceituosas da mulher negra na sociedade. A ama de leite seria uma espécie de tia amorosa, sempre disposta a dar seu próprio leite para o filho do patrão, ajudar na criação das crianças na Casa Grande, cozinhar para todos e estar disponível, 24 horas por dia para os desejos de seus amos e sua família. Ela poderia circular no espaço da casa pois não apresenta ameaça, não irá seduzir os homens e destruir lares, ela é uma aliada da senhora patroa. A Tia Jemima personifica o estereótipo. Apesar de sua figura ter sido alterada ao longo de mais de 100 anos da marca, carrega traços de uma mulher mais velha com lábios grossos e mais alguns clichés associados a imagem construída para a mulher negra. Ela vende panquecas e calda, o típico alimento do café da manhã norte-americano, adorado por crianças e adultos.

O tio Ben também não apresenta ameaça a lógica de poder implementada na escravidão. É um homem negro mais velho que está satisfeito com sua posição na vida, a de pessoa escravizada, e segue ajudando os senhores brancos, avisando quando algo está corrompido dentro da ordem de submissão de corpos negros. É a versão masculina da tia Jemima pois também não apresenta ameaça, não é forte ou viril, outros estereótipos relacionados com homens negros são criados a partir desses adjetivos. Apenas está lá. Se pensarmos em filmes ou seriados do começo até meados do século XX, muitos personagens podem ser relacionados ao tio Ben, personagens que servem de “escada” para protagonistas brancos como no livro As aventuras de Huckleberry Finn. Por anos o tio Ben seguia estampado em sacos de arroz, um personagem criado a partir das imagens descritas de um homem confiável que era um ótimo cultivador de arroz.

Dois personagens, uma mulher e um homem, sendo apresentados todos os dias nas mesas, na hora de todas as refeições, perpetuando estereótipos, presos a uma representação errônea de indivíduos negros iniciada no período da escravidão. As imagens representam uma prisão aos tipos que a mídia ajudava a perpetuar.

A artista jamaicana-america Renée Cox reconhece a problemática dessas imagens e evoca seu alter ego, a heroína Raje, para libertá-los de vez das embalagens em que estão aprisionados.

Raje veste um traje com as cores da bandeira da Jamaica. A parte superior de sua vestimenta é vermelha, parece representar uma chama que segue acesa, em busca de justiça. Em seus trabalhos artísticos, Cox problematiza as representações do negro na sociedade contemporâneo. Repensando personagens históricos ou criando heroínas, a artista evidencia o racismo e comportamentos enraizados na sociedade norte-americana, país que se tornou seu lar.

Raje salva Jemima e Ben, que se transformam em figuras de carne e osso, não mais vestidos ou com feições iguais às criadas nas embalagens. Se tornam figuras que também remetem ao universo dos super heróis, parecem emanar força e poder em suas imagens.

Raje faz parte de uma série, a heroína aparece em outras situações, destruindo símbolos da opressão racistas. As imagens não circulam apenas no espaço da galeria, foram colocadas em jornais de grande circulação e outdoors em cidades norte-americanas. Assim como os anúncios e propagandas dos produtos cujos “garotos propagandas” ela salvou na obra apresentada. 

A obra apresenta é uma crítica não só aos estereótipos construídos sobre os negros mas ao marketing e consumo em cima dos corpos racializados. O uso das imagens é mais uma forma de exploração. Parece que a sociedade continua a explorar os corpos colonizados. O dinheiro fala mais alto, assim perpetuar tipos de uma era colonial, que trazem leituras problemáticas da escravidão, parece não ter problema, desde que os produtos anunciados estejam sendo vendidos.

Raje ainda tem muitos espaços para atuar e muitas figuras para libertar.

Saiba mais sobre a artista, acesse: https://www.reneecox.org

Colírio por Julia Baker



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