ENTREVISTAS – PROFISSIONAIS DA ARTE

ENTREVISTAS – PROFISSIONAIS DA ARTE

O profissional do restauro e conservação dificilmente é reconhecido com frequência pelo público em geral. Só lembramos dele quando casos exdrúxulos ganham os jornais, como no caso do restauro de um afresco com a imagem de Jesus em uma igreja na Espanha. Porém colecionadores e museus dependem do profissional para garantir que suas obras não sofram danos permanentes e possam ser apreciadas em exposições atuais e futuras.

Na terceira entrevista, Julia Baker conversou com Valéria Sallenas, diretora da Libra Cultural. Atuando a mais de dez anos na área de conservação, restauro e museologia, Valéria trouxe informações importantes sobre os cuidados com as obras de arte e sua relação com o campo. A paixão pela arte a levou a buscar caminhos para que esse encontro perdurasse em sua trajetória. Mesmo que nossa primeira tentativa não seja a final, Valéria mostra em seu depoimento como, ao se permitir experimentar com a aprendizagem de pintura e do restauro, acabou encontrando um campo de atuação.

NAPUPILA  Sua graduação foi em pintura na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Como foi a escolha do curso? Você sempre teve uma proximidade com as artes visuais? Queria ser artistas quando começou sua formação?

VALÉRIA SELLANES – Sempre gostei de artes desde pequena, desenhava, pintava… Na escola só tirava a nota máxima em Educação Artística. Meus pais também gostavam de artes e sempre me incentivaram. Nossa casa sempre foi povoada por pinturas e desenhos nas paredes, muitos livros e música.

Quando tinha uns 16 anos, abriu uma exposição no Museu de Arte Moderna do Rio (MAM) da Camille Claudel. Na época eu morava na região dos Lagos. Lembro que, por coincidência, meu pai tinha um compromisso no Rio e me trouxe, me deixou no MAM e depois passou para me buscar. Foram as horas mais maravilhosas da minha vida. Percebi que era onde eu queria estar, não sabia exatamente fazendo o que ou como estaria naquele espaço, mas era isso que eu queria.

Quando entrei na faculdade, encontrei minha tribo. Fiz amizades para vida. No começo queria ser artista mas, no decorrer do processo, muitas possibilidades surgiram, não sabia exatamente onde as artes iriam me levar, mas sabia que estava no caminho certo.

NPComo foi seu encontro com a conservação e o restauro? Você pode falar um pouco sobre como é esse campo e a importância dele para garantir a manutenção e sobrevida das obras de arte.

V.S. – Foi na metade do curso da faculdade, cheguei a pensar em trancar. Mas o irmão (Humberto Carvalho) de uma grande amiga (Eloá Carvalho) da faculdade estava fazendo um curso com uma ex-funcionária do Museu Nacional de Belas Artes (MNBA) e decidi fazer o curso também. Ao começar foi como se tudo tivesse entrado nos eixos, tudo queestava aprendendo fazia sentido e se encaixava com meu desejo de trabalhar nas artes.

A importância, na maior parte das vezes, pode ir muito além da intervenção em uma obra ou em um acervo. Quando se fala em preservação da memória e do patrimônio, estamos falando na preservação de coleções para gerações futuras. Para essas gerações poderem entender a história e as artes. Estamos falando também de políticas de segurança que protejam nosso patrimônio. Na verdade, o mundo do restauro e da conservação é muito amplo. Existe um leque de possibilidades dentro da profissão.

NP –Você trabalha com coleções privadas e instituições públicas cujas políticas e cuidados em relação as obras devem ser bem diferentes. Isso é transposto aos cuidados com as obras? Tem alguma história marcante sobre a relação do colecionador com a obra e seu restauro/cuidado?

V.S. – A maior parte das instituições públicas tem uma visão e metodologia voltadas para a conservação preventiva, por exemplo, cuidados com o controle da temperatura e umidade, controle de pragas e micro-organismos, higienização, monitoramento, ações que cuidam do entorno e tem um impacto no acervo ou coleção. Evitando intervenções mais conhecidas como conservação corretivas ou restaurações. Geralmente colecionadores particulares não tem essa visão ou acervo suficiente que necessite deste tipo de abordagem. Acabam focando na individualidade da obra ou o retorno ao “original” que, infelizmente, acaba trazendo danos irreversíveis a mesma.

Lembro da primeira vez que uma tinta sensibilizou (processo no qual a tinta fica solúvel, dissolve na água) no meio de um tratamento aquoso. Consegui reverter o processo. Mas a sensação foi a de um mini ataque do coração. Sempre aprendemos com nossos erros, e isso me ensinou a testar mil vezes antes de começar qualquer procedimento.

NP – Na academia e dentro do campo museal, a conservação e preservação são vistos com grande importância. Porém, você acha que o público em geral tem entendimento da profissão e da sua importância? Acha que existe alguma maneira – institucional ou mais popular – de aproximar o público, seja um público leigo ou até mesmo o mais familiarizado com o universo das artes, do mundo do restauro e conservação?

V.S. – Se pensarmos que, até hoje, a profissão de Conservação e Restauração não é regulamentada, essas distâncias devem ser abreviadas. Assim como levar o público leigo para dentro dos museus é essencial. Fazer com que, desde o ensino básico seja um costume, uma ação escolar, as visitas aos museus e espaços culturais. Ensinar e mostrar que o patrimônio é de todo nós, e que devemos preservá-lo para as gerações futuras. Despertar o amor às artes. O preenchimento desses espaços com o público, trazendo o sentimento de pertencimento. Dessa forma despertando o interesse com o cuidado com o patrimônio.

NP – É bem visível que nas profissões ligadas à museologia e restauro existe uma maioria de profissionais mulheres. Você credita isso a algum fator específico? Mesmo com a maioria sendo feminina, acha que ainda existem preconceitos ligados ao gênero na sua área?

V.S. – Eu acredito que este fato está diretamente ligado ao “cuidar” e o prestar atenção aos detalhes, características essenciais para o fazer na museologia e na conservação e restauração. São qualidades associadas mais ao feminino. E isso não quer dizer que homens não possam desenvolver esses atributos, mas são mais naturais no cotidiano das mulheres.

Sim, ainda acontece, infelizmente. Como em muitas áreas, a diferença na remuneração. Ou confiar mais no trabalho quando é um homem que está à frente de uma atividade. Aquela velha ideia de provedor ou mais eficiente. Vez ou outro precisamos nos impor, mesmo com mais de 15 anos de experiência no mercado…

Valéria Sellanes Graduada em Pintura pela UFRJ (2003). Pós-graduação em Preservação de acervos de C & T – pelo MAST (2011). Trabalha com vistoria, coleta e devoluções de obras de arte para instituições museais e coleções privadas. É presidente da empresa LIBRA CULTURAL. Em 2014, assumiu a Gerência do Setor de Apoio Técnico – Divisão de Restauração – do Arquivo Geral da Cidade do RJ. Ministra curso de Courrier e laudos técnicos de estado de conservação de obras de arte no COREM – RJ.





Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *