Táticas para criar buracos de minhoca

Táticas para criar buracos de minhoca

Essa é a primeira metade da formulação de táticas para criar buracos de minhoca. O que quer dizer ressignificar territórios? Como e porquê fazê-lo? O que essa ressignificação acarreta para a efervescência de uma nova imaginação política?

por Luiza Crosman

Esse texto vai apresentar em dois tempos o início do raciocínio de como a criação de buracos de minhoca podem ser formas possíveis de ressignificar espaços. Buracos de minhocas são canais, vias subterrâneas, feitos por dentro e a partir da terra por onde são escavados. Minhocas comem a terra, e a digerem, subvertendo o que poderia ser visto com um bloqueio em nutrientes e caminho. Buraco de minhoca é também a teoria física de que é possível conectar dois pontos distintos do tecido espaço-temporal do Universo observável e, portanto, viajar entre eles.

Quero propor buracos de minhoca – terrestres e cósmicos – como uma possível imaginação política, que pode, talvez, vir a apresentar formas de pensar e agir em territórios institucionais – afetivos, sociais, políticos e econômicos. Neste primeiro tempo, exponho uma lista de táticas performativas, feita em colaboração pois minhocas não trabalham sozinhas, e é sempre preciso uma enorme força gravitacional para dobrar o tecido do espaço-tempo. Nessa lista colaboram Priscilla Menezes, Thiago Antunes e Pedro Moraes.

No tempo futuro deste texto, vou expandir e investigar como as táticas dos buracos de minhoca podem expor dinâmicas e condições de possibilidade para a imaginação política modificando um território a partir dele mesmo, ou ao criar um território inteiramente novo desde dentro do original. Escavando-o, dobrando-o, abrindo rotas alternativas de circulação e saídas, conectando dois pontos distintos.

Táticas para criar buracos de minhoca

Vá até uma área invisível. Tente visualizar o tamanho do rastro que o seu corpo produz no espaço durante o período de tempo de um suspiro, considerando que nossa galáxia se move a uma velocidade de 120 km por segundo. Inspire.

Evaporar
Às 12h de um dia útil coloque uma cadeira na avenida mais movimentada da sua cidade. Sente-se. Tenha em suas mãos uma bacia com 250ml de água potável. Permaneça até que a água evapore.

Considere o ponto A e o ponto B; ambos possuem uma distância espacial considerável entre si. Considere agora a ponte C. A ponte C permite que ignoremos a distância entre A e B, conectando-os de maneira suave, fazendo com que a transição entre um ponto e outro subverta as regras implícitas no deslocamento entre eles. A ponte C reescreve a noção de espaço que A e B sugerem. O que é a ponte C, senão a capacidade de revisar nossas ações?

Para fazer na linguagem
A partir de agora, sempre que for escrever de forma plural ou geral escreva somente no feminino.

Redistribuição
Escreva em um papel um fato sobre você que jamais tenha pronunciado em voz alta. Fixe-o em uma parede pública.

Para fazer na conta bancária
Sempre que o último número do extrato for ímpar remunere alguém por um trabalho intelectual.
Sempre que o último número do extrato for par exija remuneração pelo seu trabalho intelectual.

Como uma maneira de introduzir a ponte C onde ela se faz necessária, podemos perguntar:
“O funcionamento desse objeto em particular pode ser entendido em que termos?”; “Qual a consequência desse entendimento?”; “Da onde vem esses termos?”; “Estes termos servem a quem?”; “De que outra maneira isso pode ser entendido?”; “Quais possibilidades de enquadramento provêm uma imagem mais clara desse objeto?”; “Como posso engendrar mudanças nesse objeto?”

Para fazer no mapa
Sempre que alguém te pedir informações sobre determinado lugar ou área lhe informe o porquê de você estar ali também.

Como uma maneira de introduzir a ponte C onde ela se faz necessária, podemos perguntar:
“Em que medida o espaço que é inaugurado pela ponte C difere dos espaços previamente constituídos?”; “Como a criação e/ou descoberta deste espaço mudas as relações do lado de fora dele?”; “Existe alguma diferença fundamental entre este espaço e outros espaços criados entre A e B?”

Maremoto
Sente-se de costas para o mar. Encare o rosto das pessoas que olham para ele. Tendo como única pista as suas expressões, desenhe-o.

Para fazer no não-visível
Comece a cuidar de algo.

Como uma maneira de introduzir a ponte C, onde ela se faz necessária, podemos perguntar:
“Se a a ponte C constitui com os pontos A e B um sistema, então todas as propriedades desse sistema que é constituído devem advir de A, B e C – suas propriedades particulares e suas relações entre si. Essa suposição é consistente com a imagem de C descrita até agora?”

Vá até uma área invisível. Tente visualizar o tamanho do rastro que o seu corpo produz no espaço durante o período de tempo de um suspiro, considerando que nossa galáxia se move a uma velocidade de 120 km por segundo. Expire.

Para fazer no futuro
Use essa lista como um buraco de minhoca. Pratique-a. Performe-a sozinha ou com companhia, uma ou mais táticas. Anote e me envie suas percepções, afetos, atravessamentos. O que acontece quando dois buracos se encontram? Quais outros buracos de minhoca me ocorrem? Como a minha imaginação é transformada por esses túneis? O que é a criação de vias alternativas? Esses relatos farão parte da próxima sessão do texto: luizacrosman@gmail.com

Luiza Crosman é artista, mestre em Processos Artísticos Contemporâneos pela UERJ, e atualmente pesquisadora no Advanced Performance and Scenography Studies (apass) em Bruxelas. Trabalha a partir do desenho, da escrita e de performances, investigando metodologias de feedback, condições de possibilidade e especulações acerca da ideia de futuro. É também parte do time que gere a casamata – espaço de arte que pesquisa metodologias de exposição.


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