Nossa Senhora Comparecida (2019), Silvana Mendes

Nossa Senhora Comparecida (2019), Silvana Mendes

Primeiro Colírio do ano e, neste mês, nossos drops serão todos de artistas brasileiros. Começamos com uma artista que já participou em um de nossos projetos, a Editathona Artes+Feminismos | Arte e Arquivo – desdobramentos da prática decolonial em julho de 2020. A imagem cedida por Silvana Mendes para o projeto abre o ano de 2022.

A catalogação de seres humanos parece uma prática comum, especialmente quando eles não se assemelham aos que realizam a tal catalogação. Povos originários e povos escravizados eram catalogados pelos seus exploradores, parecia existir um desejo cruel de criar pequenas categorias para igualar traços físicos ou comportamentais. Mesmo após o período de invasões de territórios, os europeus continuaram a catalogar os tipos humanos. Inventavam características para agrupar indivíduos como perigosos ou mais propensos ao crime ou à luxúria. Se pensarmos Saartjie Baartman, mais conhecida como a Vênus Hotentote, é visível o desejo de classificar, estudar, medir, tocar e desumanizar os corpos e corpas negros. O caso de Baartman é emblemático, em vida era explorada como a típica mulher do povo Khoi, baixa e com quadris largos, foi explorada em nome do entretenimento e da ciência. Após sua morte seu corpo foi desmantelado, seus pedaços colocados em formol e exibidos em museus pela França. Apenas em 2020 – ela morreu em 1815 – seus restos mortais foram devolvidos ao seu território de origem – agora conhecido como África do Sul – para serem enterrados com respeito. 

A generalização tira a identidade do sujeito para torná-lo apenas mais um na massa. Apenas mais uma mulher, apenas mais uma negra que não faz diferença de quem é sua família, qual é sua origem, quem são seus filhos, seus gostos e desgostos. A classificação generalizada foi muito utilizada nos registros fotográficos e, quando nos voltamos aos arquivos, não encontramos a identidade daquele sujeito, apenas o grupo ao qual ele pertencia. Enquanto retratos de nobres e burgueses vem com nome e sobrenome, as imagens de indígenas e negros tem apenas a etnia relacionada, ou seu local de origem ou a classificação de tipo de escravidão à eles imposta (pessoa escravizada da lavoura ou da casa). Pensando nos acervos e não invisibilização e apagamento identitário dessas pessoas, Silvana Mendes cria a série de lambes Afetocolagens: desconstrução de visualidades negativas em corpos negros. A artista trabalha com fotomontagens a partir de imagens encontradas na Brasiliana Fotográfica. A imagem de nosso Colírio é do fotógrafo Alberto Henschel e era apenas identificada como Negra de Pernambuco. A partir da inserção de elementos, a imagem é ressignificada, é santificada pelo nome dado a obra: Nossa Senhora Comparecida. Seu halo é um pedaço de laranja (cor de halo associada, no budismo tibetano, aos monges), e ela segue rodeada de cores vivas, enaltecendo a imagem e não apenas a classificando como mais um tipo.

Silvana também questiona o espaço do acervo no qual as obras podem ser acessadas por um grupo seleto. Ao fazer lambes e colocá-los no espaço público permite um maior acesso e conhecimento de todos da imagem. 

Revisitar os acervos, repensar a história impregnada nas imagens lá armazenadas é necessário. Silvana propõe, através de suas obras, uma revisão histórica necessária. 

Para saber mais sobre a artista, acesse: silvana-mendes.tumblr.com

Colírio por Julia Baker



Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *