ENTREVISTAS

ENTREVISTAS

Conversar, trocar, compartilhar, todos são verbos de ação que incluem dois ou mais indivíduos no ato. Precisamos dividir, escutar e, assim, conseguimos aprender e compartilhar ensinamentos. Criamos uma seção no site do NaPupila de entrevistas para ser um espaço de troca. Troca entre nós, entrevistadores e entrevistados, trocas entre vocês, que nos leem, e possibilidades de gerar novas formas de interação, para além de apenas curtidas e likes.

As entrevistas se dividem em dois ramos: os das artistas e o das profissionais das artes. As entrevistas com as artistas serão conduzidas em conjunto com o grupo de pesquisa coordenado pela coletiva NaPupila. As pesquisadoras participantes, partindo de seus interesses e desejos, realizaram conversas com artistas contemporâneas que serão postadas no site com regularidade. O segundo ramo é ligado as profissionais da arte que nem sempre são visíveis pelo grande público mas são fundamentais para que a obra seja realizada, as instituições funcionem e que a arte esteja disponibilizada para todes.

Howard S. Becker, em seu livro Mundos da Arte, evidencia que, para a realização de qualquer tipo de arte é necessário um mundo de profissionais por trás de um artista, de uma instituição, de um performer. Evidenciar tais profissionais auxilia a quebrar com o dogma que o artista é solo e que não é necessária a manutenção de diferentes redes para a produção e circulação do trabalho artístico. Inauguramos a seção com a entrevista de uma profissional das artes.

A entrevista, conduzida por Julia Baker, integrante da
NaPupila, foi com Mayra Brauer. Formada em museologia, atua na área há mais de dez anos com experiências em museus e instituições culturais. Seja na Reserva Técnica, montagem de exposições ou catalogando obras de arte, Mayra está sempre com um sorriso, pronta para auxiliar seus colegas e o público.

Tive o prazer de trabalhar com ela por alguns anos e presenciava diariamente sua dedicação e amor pelo seu trabalho. Na entrevista, podemos não apenas conhecer sua trajetória profissional mas, também, percebemos como o papel da mulher deve ser problematizado nas instituições e em profissões que, não por acaso, lhes é dado o protagonismo.

NAPUPILA Nosso primeiro passo é pedir que nos conte um pouco de você. Como se deu seu início no mundo das artes. Por que a escolha de sua profissão – a museologia? O que é a museologia, como você atua nesse campo e quais possibilidades existem na profissão.

MAYRA BRAUER  – Minha relação com a arte vem desde criança. Estudei em escolas abertas e participativas, onde os alunos e famílias, professores e funcionários estavam envolvidos nos processos de ensino/aprendizagem, utilizando as mais variadas metodologias. Além desse processo de formação educacional, cresci no meio das artes. Por ser filha de museólogo, museus, exposições e obras de artes, já faziam parte da minha rotina. Não fui influenciada diretamente pelo meu pai, mas naturalmente o universo já me encantava e, neste sentido, acredito que sim, que ele tenha me ajudado na escolha profissional, mesmo que involuntariamente.

Em 2002, entrei para a Escola da Museologia, pela UNIRIO, e pelo menos meu pai conseguiu me ver entrar em uma faculdade pública, pois faleceu no ano seguinte. Foram quatro anos de curso, muita dedicação, estudo, militância, estágios e consegui me formar no fim de 2006, com a colação de grau no início do ano de 2007.

A Museologia, em seu sentido mais amplo, é a relação específica entre o humano e a realidade. É uma ciência que pensa o museu envolvendo o objeto, a coleção e a exposição em um contexto social, trabalhando no campo das experiências práticas e reflexões teóricas ligadas a todos os processos sociais. O museólogo é o profissional que se dedica à classificação, à conservação e à exposição de peças de valor histórico, artístico, cultural e científico. Temos como missão transmitir e divulgar conhecimento, desenvolvendo ações culturais sobre os acervos, planejar e executar documentações, administrar as coleções, promover o intercâmbio de peças com outros museus (empréstimos), gestão (planejando na execução e acompanhamento de projetos e políticas públicas relativas ao patrimônio histórico e cultural), organização de exposições (analisando a melhor forma de dispor e apresentar as peças). Podemos atuar em: Museus, Galerias de Arte, Institutos de Pesquisa, Centros de Documentação e Informação, Escolas, Universidades, Centro de Ciências e Tecnologia, Jardins Botânico, Zoológicos, Aquários e Planetários, Parques e Reservas Naturais, Sítios Históricos e Arqueológicos, Pequenas, médias e grandes empresas, Coleções Públicas e Particulares, Produtoras de vídeo e TV, Arquivos, Bibliotecas, Teatros, etc.

Desde 2013, estou na equipe de Museologia do Museu de Arte do Rio (MAR) no cargo de museóloga responsável pelo inventário da coleção museológica, os procedimentos internos da Reserva Técnica, recebimento de entrada de obras (doações) e também pelos processos que envolvem as exposições.

NP- Na sua trajetória profissional, você percorreu diferentes instituições. Pode contar um pouco das diferenças e semelhanças de cada uma delas, em relação a sua atuação profissional.

M.B. – Atuo no campo da museologia desde o primeiro estágio, no Museu de Arte Contemporânea de Niterói (MAC/Niterói), e logo que me formei fui convidada a assumir o cargo de Coordenadora de Exposições. Tive a oportunidade de trabalhar também em projetos nas seguintes Instituições: Museu Nacional de Belas Artes (MNBA) e Museu da Imagem e do Som (MIS). Como Coordenadora de Exposições no MAC/Niterói, além de todo o processo básico do profissional de museologia, como: acompanhar a curadoria na pesquisa à coleção, verificação do estado de conservação das obras, higienização, confecção e elaboração dos laudos técnicos e acompanhamento das obras com a equipe de montagem até o espaço expositivo/local definido na exposição; era necessário fazer também todos os processos burocráticos da Instituição (contratação de montadores, aprovação e definição de layout dos materiais gráficos e recebimento das equipes de plotagem). Isso porque, na época, éramos pouquíssimos profissionais na equipe, apenas três museólogas (grandes profissionais que me ensinaram muito do que sou hoje, Angélica Pimenta e Márcia Muller) para cuidar de uma coleção grande e de todos os processos museológicos. Portanto, ao finalizar uma montagem de exposição, as novas etapas de um novo Projeto já se iniciavam imediatamente.

No MNBA, o acervo é dividido por coleções (pintura, desenho, escultura, gravura, mobiliário, etc) e um museólogo chefe atua como curador desta coleção. Eu tive a oportunidade de trabalhar no Setor de Pintura e Desenho Brasileiro (com um grande mestre, Pedro Xexéo, que sempre tinha uma história para contar de cada item da coleção e eu, óbvio, ouvia atentamente cada palavra), onde atuava com a pesquisa da coleção, realizando a catalogação e também o recebimento de pesquisadores ao acervo. No MIS, eu participei de um projeto, também de catalogação, do acervo audiovisual. Éramos muitos profissionais, áreas interdisciplinares, atuando juntos. Foram meses de dedicação de pesquisa e muitas parcerias. Em ambos os projetos atuei como museóloga, mas de uma maneira diferente, e é essa diversidade que mais me encanta na minha profissão, além de me proporcionar muitos contatos e conhecimentos por onde passo.

NP- Como você vê a inserção das mulheres no campo das artes. A sua profissão já tende a ser majoritariamente feminina, por que acha que isso ocorre?

M.B. – No campo das artes vejo muitas mulheres atuando e acho importantíssimo o nosso papel. Nós, mulheres, além de lutar diariamente por direitos iguais, conseguimos trabalhar em vários projetos ao mesmo tempo, seja ele profissional ou pessoal. E melhor, ainda sorrimos. Sei lá, já nascemos com isso, uma espécie de aptidão mesmo (rs).

Quanto à museologia ser majoritariamente feminina, me recordo de um artigo que li do Professor Bruno Brulon, do Programa de Pós-Graduação em Museologia e Patrimônio da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO), que nos anos de 1940, numericamente, era maior a presença de mulheres nos cursos de museologia, pois os primeiros programas para a formação de profissionais a serem criados no mundo não se propunham a formar diretores de museus/museólogos/administradores, mas sim “assistentes” para atuar nos museus. Por essa razão, as primeiras escolas eram destinadas a “jovens mulheres” que seriam treinadas para realizar as funções básicas de organização, manuseio, classificação e catalogação de objetos de museus. Olha o machismo aí! (que raiva). Não sei, mas acredito que por serem tantas mulheres atuando juntas, com a mesma formação e pensando o museu, elas conseguiram chegar aos cargos técnicos e mais altos das instituições e continuarem atuando atuando desde seus primeiros anos até os dias atuais, e sendo respeitadas.

NP – Você acha que “trabalhadores invisíveis” que fazem os museus (museólogas, educadores, montadores, seguranças, produção, limpeza, etc) são reconhecidos? Como poderiam ser mais reconhecidos e ter sua participação mais visível?

M.B. – Eu sempre digo que o trabalho do museólogo é invisível, os processos sãos gigantes, muitas atividades, mas que ainda falta muito reconhecimento. Trabalhar no museu é ter todo dia um aprendizado, é árduo, mas também é tentador. Museus são muito mais do que espaços de preservação do passado, é presente e é futuro. Nós, museólogos, possuímos uma característica única: “somos heróis”, exercemos com muita determinação e não desistimos. Nesses 13 anos de profissão vi de perto as dificuldades de manter um museu aberto, em movimento, vivo.

Gostaria muito de ver a profissão do museólogo mais respeitada, o que não é fácil em um país que não valoriza sua própria cultura, e no momento atual que estamos vivendo (crises, intolerância religiosa, censuras, pandemia, etc.) precisamos continuar acreditando nos museus, que são lugares que tem compromisso social e desenvolvem uma ação ativa na sociedade. Muitos museus no exterior já estão decidindo como a pandemia será lembrada, fotografias, objetos e obras de arte já vem sendo reunidas para formar as memórias desta época. Penso que todo corpo técnico de um museu merece ser ouvido, assim como seus visitantes. Essa troca que faz do museu um lugar de escuta e fala.

NP Dados mostram que a maneira como as mulheres ocupam os museus e demais espaços das artes nunca se dá em cargos altos. Também, se formos ver as coleções dos grandes museus, a quantidade proporcional de mulheres artistas nas coleções sempre parece bem reduzida em relação à presença de artistas masculinos. Queria saber o que você pensa disso. Acha que existe algum mecanismo para mudarmos tal cenário? Sente que as mulheres percebem essas discriminações?

M.B. – Sim, com toda certeza as mulheres percebem essas diferenças. Elas estão ali na nossa frente, não tem um único dia que não convivemos com isso.

Por trabalhar diretamente com as coleções, alimentando informações nos banco de dados e recebendo as doações, é impossível não ver que as mulheres/artistas são minorias e, mesmo fazendo campanhas ou projetos de exposições e doações de obras de arte feitas por mulheres, a quantidade de obras numa coleção em constante crescimento é normalmente de autoria masculina, o que faz com que numericamente a porcentagem não mude, infelizmente.

Além disso, penso, do que adianta essa representatividade nas coleções numericamente se não há visibilidade? Muitas obras das artistas mulheres nunca foram expostas. Precisam ser vistas, estudadas, sentidas por todos. Acredito que, para o momento político social que a gente vive, é muito importante que estejamos unidas. Temos que deixar de ser “números”, precisamos ser vistas, mas não em apenas um movimento e sim por toda vida.

Mayra Brauer – Museóloga, formada pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro/UNIRIO (2007). Tem um papel de relevância em Museus de Arte. Foi integrante de grandes Instituições Museológicas do Rio de Janeiro, como Museu de Arte Contemporânea de Niterói/MAC, Museu Nacional de Belas Artes/MNBA e Museu da Imagem e do Som/MIS. Desde de 2013 é museóloga do Museu de Arte do Rio/MAR, onde desenvolve as atividades de metodologias dos processos do inventário, documentação museológica e responsável pelos processos interno da Reserva Técnica. 



1 thought on “ENTREVISTAS”

  • A entrevista de Mayra aborda a importância do setor nos espaços culturais, além de deixar claro que a área ainda precisa de maior reconhecimento e valorização. O que vemos muitas vezes, são pessoas que não acreditam na importância de um trabalho que exige conhecimento técnico e teórico e que precisa ser levado com muita seriedade e respeito. Uma salva de palmas para “As museólogas”!!!! 🙂

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